sábado, 29 de março de 2008

Ais

A pele está aberta em cada centímetro onde você passou. Cada canção romântica dói, a brisa hoje arde em brasa em cada centímetro onde você passou. Ao contrário do que parece, eu já não quero mais. O que faz doer é a cisma, e nada há de romântico nisso. Meus dias são contados, assim, como todas as coisas sublimes, como as luas. Como aquela Lua que nos serviu de testemunha. Testemunha do acaso, testemunha do nada. Testemunha de mim, apenas.

segunda-feira, 24 de março de 2008

O sonho tácito.

E o rapaz dos pés alados sumiu tão depressa quanto apareceu. A cortesia rude daquele curto momento se dissipara quando as asas em seus pés ordenaram a partida, e o que ficava era poeira, um livro e a lembrança.
A Ade Ofara não era incômoda a lembrança, ao contrário, embora ela não conseguisse explicar, ter do que lembrar era sinal de que algo entre os dois algum dia foi real.
Há três noites Ofara sonhava com o rapaz e passava o dia se perguntando sobre o que estava por vir, por certo, algo importante, o grande distribuidopr de sonhos não repetiria tantos deles em vão.
Durante dias, esperou ansiosa a hora de deitar-se, para saber quais histórias viveria durante a madrugada. E o fato se tornou rotina: quando havia sol elas aguardava a noite, e assim colecionava sonhos, como quem coleciona amores.

sábado, 22 de março de 2008

Sobre o olho da sina.

Nos olhos das crianças residem mil coisas...

Para além da ingenuidade e da pureza, residem os medos dos adultos. Tudo que aquele homem temia, estava nos olhos daquela garotinha. Todos os medos e frustrações daquela mulher, naqueles olhos também estavam. E ela sabia, a despeito do que pudesse parecer, que sobre aqueles ditos, tinha um trunfo.
Ante tudo o que eles questionassem, ela dava o silêncio.
E assim foi, até que o destino a batizou: Aborto de Satanás.
Quão infame poderia ser seu futuro, se nem Ele a quisera mais?



Mas aquela criança ri
E sobre todos os pesares, ela ri
E seu sorrir ilumina
As marcas e frieiras de quem.
E seu sorrir arruina
A calma e a paz de alguém.
Mas ela, antes de ser, é.
E depois, quando tudo aquilo se for
Ela ainda será.





Nos olhos dos jovens residem outras tantas...

Ai, menino.
Que guardas nesses olhos nem tão meninos assim? O sumiço é resposta. Quarto, papel, folha, lápis, livro, bicicleta, cobertor. Tudo em teu cotidiano.
Vontade, carência, fome, desejo, engano,engano,engano,engano. Tudo em teus olhos.





Escrito em conversa com Márquez.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Miopia

Passei os últimos dois dias pensando a respeito da miopia.

Tenho sentido dificuldade em burlar os abismos de comunicação entre mim e o alheio. Rogo diariamente às musas que a tantos inspiraram, que me inspirem pelo menos uma vez, com palavras que burlem a miopia de seus sentidos.
Não pode ser sério uma pessoa não perceber os cânticos entoados pelo coro que habita uma alma. Duvido da realidade que sussurra,no mais sensível acesso a meu cérebro, que querer é errado.

Hoje me deitei em pensamentos, tentando ver se encontrava em meus registros mentais o oftalmologista mais próximo.
Depois de recordistas sete dias, chorei.

Acho que não encontrei no catálogo dos dias, o tal especialista.

Posto que não tenho essa habilidade científica, te deixo com tua miopia generalizada, torcendo para que ela não e abata sobre todos.






Ou para que vire , de todo, uma cegueira.

Dia sem música.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Vida 20 polegadas.

Por que os pensamentos mudam?

Pensei a respeito disso, não apenas hoje, mas desde um tempo estou me quedando sobre essas reflexões a respeito de mim e do outro.
Lembro bem de pensar em ser feliz pra sempre (não quero começar um drama), não que me soe impossível que isso ocorra, mas já não sei se quero mais.
A sensação de felicidade é uma coisa gostosa, mas como eu disse, é uma sensação. A idéia de ter uma sensação ( pelo que entendo, uma resposta a um estímulo, estado rápido, momentâneo)perpetuada me parece um tanto fora da realidade. É como ficar drogado para sempre, sedado para sempre.

Quando estamos em extremos, muitas coisas nos passam impunes aos olhos. Pessoas novas, cheiros novos, texturas novas, peles novas.
Como os meus momentos de felicidade são, por bem, espaçados entre si. Experimentei hoje uma dessas coisas boas que a não entorpecência da felicidade nos permite ver: a chuva caiu, e ao andar em direção à biblioteca que costumo ir, o cheiro de terra molhada mesclou-se ao cheiro do mato, me dando a nítida sensação de estar sentindo cheiro de erva-doce. Um prazer inexplicável. Melhor do que beber água quando tenho muita sede, mas não tão bom ao ponto de ser melhor que um abraço.
Lá, enternecida, em êxtase como uma tola pelo cheiro de erva-doce, fechei os olhos no meio do caminho. Agora já não mais era caminho, posto que se tornara destino. Lá fiquei, ouvindo minha música, roubando do ar aquele cheiro de infância todo pra mim. Até que fui despertada desse momento ébrio, por uma moça que escorregava na lama e, para não cair, me puxou pelo braço, quase fazendo com que eu me aventurasse em sua queda.

Decidi não mais ir à biblioteca, dei meia volta e me sentei embaixo de uma árvore , e retomei a leitura de um
dos livros que me acompanham por esses dias.

PAUSA: Estou desenvolvendo um TOC, que pode explicar o porquê de eu ter desistido de ir à biblioteca naquele momento: toda vez que eu quero fazer alguma coisa(ir à biblioteca) e sou interrompida por qualquer motivo(menina escorrega e me puxa o braço), eu adio e faço mais tarde(meia volta e ler o livro).

Humbert Humbert (H.H.) é um homem que me causa arrepios, sabe? Tenho lido suas confissões e me encantado, embora ele me cause certa repugnância.

Hoje ouvi que somos como televisões...Rumo a um grande cemitério de TV´s. Tô praticando esse exercício de 20 polegadas:

Ouvi múisica sozinha, ouvi música juntinho, quis um abraço específico e ele não veio, abracei quem talvez nem quisesse um abraço... Recebi outros abraços que quis...
Mas o que não vem é sempre mais duro, e ,talvez por isso, melhor de ser lembrado.

Música: You can't lose a broken heart - Billie Holiday.

domingo, 16 de março de 2008

Recados de Billie

Ontem à noite eu recebi a ilustre visita de minha saudosa amiga Billie.
Como todas as grandes amigos, eu e ela dispensamos explicações demoradas sobre estados de espírito e sensações.
Quando Billie chegou eu estava sentada em frente ao computador, vivenciando mais um daqueles momentos de hipnose tão comuns à contemporaneidade. Billie se sentou e, de longe, acompanhou as conversas que eu travava via internet com colegas, amigos e amores vários que coleciono desde sempre.

Mais experiente e mais temperada pela vida do que eu, Billie começou a cantarolar versos que tudo diziam a respeito de uma conversa em especial:

"I fell in love with you the first time I looked into
Them There Eyes
And you have a certain lil cute way of flirtin'
With Them There Eyes
[...]
You better look out lil brown eyes...if you're wise
They sparkle
They bubble
They're gonna get you in a whole lot of trouble
Oh baby...Them There Eyes"

Depois de cantarolar sutilmente, Billie se retirou em direção ao meu quarto. Em meio aos vários livros técnicos e acadêmicos, Billie pegou o que estava sobre a cabeceira: "Lolita".
Deu um sorriso discreto e em silêncio partiu.
Espero que ela volte hoje.



Música: Them There Eyes - interpretada por Billie Holiday.